Mesmo o mais ardoroso fã de rock já deve ter se flagrado cantarolando, inadvertidamente, o refrão de um sucesso sertanejo, daqueles que grudam nos ouvidos. O difícil é admitir que sabe de cor trechos de hits romântico-caipiras, como “Estou Apaixonado”, de João Paulo e Daniel, ou “Dormi na Praça”, de Bruno e Marrone. Ou melhor, era. Porque uma inusitada ideia do produtor musical gaúcho Nigéria tornou possível para os seguidores de hardcore entoarem sem medo de ser felizes as letras adocicadas dos sertanejos.
Meio na brincadeira, ele juntou versos da turma que faz sucesso nos rodeios com as guitarras pesadas e a bateria acelerada da galera que manda ver nos shows de rock. Surgia a Hardneja Sertacore, banda imaginária que, em pouco tempo, ganharia legiões de fãs na internet. E, então, iria se tornar real, com integrantes de carne e osso – além de Nigéria no vocal, Lucas no baixo, Gabriel Rosa na guitarra e Careca na bateria.
O quarteto acaba de lançar seu disco de estreia e se impôs uma missão para 2011: conquistar também o público que consome música sertaneja, já que entre o pessoal do hardcore tudo vai muito bem. Nesta entrevista, Nigéria falou mais sobre a banda.
Como surgiu essa ideia um tanto inusitada de misturar hardcore e sertanejo?
Em 2004, todos morávamos em Porto Alegre e lá eu produzia e gravava bandas no meu estúdio. Eu estava gravando a banda que o Careca, nosso baterista, tinha na época. Era uma banda de hard-core melódico e eu vinha escutando muitas bandas desse estilo pra ter como influência na mixagem. Pra zoar com eles, disse que as bandas de hardcore pareciam sertanejas, porque sempre têm uma voz principal e uma segunda voz. Era só brincadeira, mas fiquei com essa ideia na cabeça. Então resolvi fazer a mistura e fiz uma versão de “Pense em Mim”. Foi sem pretensão nenhuma, só mandei pela internet pra alguns amigos. Essa galera achou legal o projeto e, em 2007, entrei no YouTube e a música estava lá, com nem sei quantos mil views. No Orkut, já havia três comunidades sobre a “banda” com mais de mil pessoas. Tinha até logotipo e a banda nem existia!
E o nome da tal banda?
Quando gravei a música, na mesma hora inventei o Hardneja Sertacore. A banda em si não existia, mas a galera estava pedindo fotos e shows, queria saber quem tocava. E isso apesar de, durante três anos, a ideia ter ficado meio abandonada, só circulando de amigo pra amigo. Então, já que estavam querendo shows, decidi montar a banda. Foi quando chamei o Gabriel, o Lucas e o Careca pra fazermos o projeto.
Então tudo aconteceu por acaso?
É, havia fãs do projeto e vimos que era uma oportunidade de fazer um negócio inovador. De 2008 pra cá, temos feito muitos shows, tudo tem acontecido muito rápido. Mudamos pra São Paulo em maio de 2009 e, dois meses depois, a Globo nos convidou pra tocar no “Altas Horas”, com Zezé di Camargo e Luciano. Foi demais. Rolou uma música de improviso e eles cantaram com a gente, elogiaram o projeto, vestiram a camiseta da banda. Duas semanas depois, assinamos com a gravadora. O negócio deu um boom.
Os integrantes da banda tocavam qual estilo antes de se encontrarem?
Nossa escola é o rock, é o que curtimos. No Rio Grande do Sul, o sertanejo não era tão forte quanto em São Paulo, Minas, Goiás. Lá tem a música tradicionalista gaúcha, que pega o público que seria do sertanejo. Isso vem mudando com o sertanejo universitário. A gente já conhecia os clássicos sertanejos, mas na minha casa ouço outras coisas. Respeitamos muito o talento dos sertanejos, que fazem músicas muito boas, mas não é o estilo que estamos acostumados a escutar.
O Hardneja pode tanto agradar quanto desagradar roqueiros e sertanejos. Que reação vocês têm sentindo?
O público que vai aos nossos shows é a galera do rock. Tem muita gente que diz que acha o sertanejo brega e canta as músicas do início ao fim. É uma desculpa pra gostarem de sertanejo. E é até um modo da galera mais nova conhecer músicas como “É o Amor”, que é de 91, quando muita gente que vai aos nossos shows nem tinha nascido. É engraçado, porque quando tocamos em lugares mais de harcore, a gente vê roda punk, a galera de preto e todo mundo cantando sertanejo.
E como vocês sentem a receptividade do público sertanejo?
A gente nunca tocou diretamente pro público do sertanejo. Ainda não tocamos em rodeios, em festas agropecuárias. Essa é uma meta que temos pra 2011, de expandir o público pro pessoal de sertanejo também. É interessante também que às vezes vêm fãs nos falar que Hardneja é a única música que conseguem ouvir no carro com os pais.
Vocês já estão preparando novas músicas?
Em 2008, lançamos 12 músicas na internet, o que seria o nosso primeiro CD. Mas não tínhamos autorização nem direitos autorais, então não podíamos vender. Por isso, o disco de 2010 é considerado nossa estreia. Neste ano, a ideia é divulgar este CD e aumentar o nosso público. Estamos trabalhando nosso segundo single e é cedo ainda pra pensar num trabalho novo. Mas com certeza vai rolar.
Esse projeto só tem sentido por ser feito de covers com uma roupagem nova de clássicos sertanejos, o que pode limitar o trabalho de vocês. Mas há a ideia de se fazer pelo menos algumas músicas inéditas?
Essa é a pergunta mais difícil de todas. Pensamos em fazer músicas próprias, mas o que estamos decidindo é como fazer. O ideal seria compor uma música com letra e pegada sertanejas no violão, e depois fazer uma versão pro rock. Mas está incerto ainda.
Como está a agenda de shows?
Estamos tocando em todo o Brasil, em várias capitais. Neste início de ano, vamos pro Nordeste. Com a divulgação do CD, estão rolando muitos shows.